O Espiritismo, por Gilbert Keith Chesterton.

Hoje em dia nos dizem que é preferível ter uma religião sem teologia. Eu acredito que nosso cérebro preferiria até uma teologia sem religião.

A característica peculiar do mundo moderno não é que seja cético, mas que seja dogmático sem que saiba. Nos diz, zombando dos velhos devotos, que eles acreditavam sem saber o porquê de acreditarem. Mas os modernos acreditam sem saber no que eles acreditam – e sem saber que acreditam. Sua liberdade consiste em primeiro assumir livremente um credo, e depois em esquecer livremente que o assumiram. Em resumo, eles sempre têm um dogma inconsciente; e um dogma inconsciente é a definição de um preconceito.

O debate sobre a ética do Espiritismo é um forte exemplo disso. Os espíritas agem segundo um dogma, que eles não podem enunciar dogmaticamente; e, portanto, só o supõem dogmaticamente. A maioria dos que são contrários ao espiritismo também, posso acrescentar, assumem um dogma sem saber – e um dogma muito mais antiquado e estúpido. Mas a questão aqui é que todos eles se diferenciam dos antigos credos por nunca terem sido claramente definidos como um credo. O que um espírita pressupõe é, na prática, isto: não apenas a existência dos espíritos, mas a inexistência de espíritos maus – ou pelo menos do mal extremo que nos é infligido pelos maus Espíritos. Dito popularmente, os Espíritas são otimistas em relação ao mundo espiritual. Os puritanos e as pessoas do século XVII eram geralmente pessimistas em relação ao mundo espiritual. Eles imaginavam, a torto e a direito, que qualquer um que lidasse com espíritos estaria lidando com maus espíritos. Desta maneira, transformaram de um assassinato para um massacre até mesmo o pior tipo de fogueira das bruxas. Eram deduções muito tremendas de um axioma, segundo o qual a natureza humana está mais próxima dos espíritos malignos do que dos bons. Mas ao menos os puritanos podiam afirmar seu axioma pessimista como um axioma. Já os espíritas não podem afirmar seu axioma otimista como um axioma; eles nem sequer sabem que é otimista. Eles simplesmente o sentem, inconscientemente, como o espírito do seu tempo – ou seja, não como algo sólido como o clima, mas tão inconstante quanto o clima.

Por isto que a principal objeção ao Espiritismo é quase idêntica à afirmação do Espiritismo. A objeção é que ele coloca um homem sob o controle de forças espirituais, ou que o coloca em contato com o desconhecido. Na verdade, é quase impossível encontrar qualquer elogio a tal crença nos espíritos, que também não sirva de reprovação na boca dos que crêem em maus espíritos. As próprias palavras ‘médiuns’ ou ‘controle’, de fato, atingirão muitos de nós como palavras imorais – eu diria palavras indecentes. Elas implicam uma rendição espiritual que é discutível, se for boa, e chocante, se for má. Agora, certamente que não é evidente, pela analogia de tudo o que sabemos, que não pode ser má. Que os investigadores não insistam sobre este perigo, ou não insistam sobre como é perigoso, é puramente devido ao esquecimento daquele primeiro princípio, ao qual me referi. Os espíritas são proibidos de aceitar a dedução deste paralelo espírita porque isso implicaria na negação do dogma espírita. E que não deixa de ser percebido como um dogma infalível, só por ser um dogma inconsciente. Se a visão que o homem tem do universo lhe permite ser o médium do que ele não sabe, e de se por sobre o controle de quem ele não conhece, que então diga, e afirme claramente sua visão do universo, como seus pais o fizeram antes dele. E assim, pelo menos, não cairá na lama dos interesses e antipatias, e poderá então optar por imaginar vistosos anjos com asas brancas, porque os prefere aos negros.

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Gilbert Keith Chesterton, Illustrated London News, 15 de março de 1919. Ilustração “Spiritualism made useful”, de
George du Maurier, 1876.

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